Na juventude, William James (1842-1910) sofria uma série de problemas físicos nos seus olhos, costas, estômago e pele. Além disso, apresentava sintomas psicológicos diagnosticados como neurastenia, em que contemplava praticar suicídio por meses. Neurastenia é um termo antigo para designar um quadro de exaustão física e psicológica, fraqueza, nervosismo e sensibilidade aumentada com irritabilidade e humor depressivo, atingindo algo entre 3 e 11% da população mundial (CID-10 F48.0).
A diversidade de seus interesses conduziram seus estudos para várias áreas da ciência como medicina, fisiologia, biologia, teologia, zoologia, geologia e filosofia. Em 1864, participou da expedição científica Thayer no Brasil, permanecendo por 8 meses na Amazônia e Rio de Janeiro.
Um dos seus principais interesses foi o estudo científico da mente humana em um tempo que a psicologia estava se constituindo como ciência. Sua obra pioneira “Princípios de Psicologia” combina elementos de filosofia, fisiologia e psicologia, abordando a vontade e as emoções como um fluxo de consciência. William James é dos fundadores da psicologia moderna e importante filósofo ligado ao pragmatismo, influenciando os trabalhos de Émile Durkheim (1858-1917), Bertrand Russel (1872-1970), Ludwig Wittgenstein (1889-1951), Edward L. Thorndike (1874-1949), John Dewey (1859-1952), Mark Twain (1835-1910), Carl Jung (1875-1961) e Sigmund Freud (1856-1939).
“Consciência” é um termo normalmente usado para se referir à percepção que um indivíduo tem de seus próprios pensamentos, sensações, sentimentos e memória. Se concentrarmos nosso pensamento nessa percepção, podemos notar que as experiências da nossa consciência estão sempre mudando. Por exemplo, a leitura deste texto pode levar você a recordar experiências passadas, de algum desconforto presente ou ainda trazer planos espontâneos para o futuro, interrompendo sua concentração.
Refletir sobre as experiências da consciência nos faz perceber que os pensamentos estão sempre mudando; no entanto, parecem surgir juntos, avançam constantemente e são fundidos como um todo. James comparou as experiências diárias de consciência a um rio que flui continuamente, a despeito de ocasionais interrupções e mudanças de direção: “As metáforas mais naturais para descrever o fenômeno são ´rio´ ou ´fluxo´”. Nesse momento, passou-se a adotar o termo “fluxo do pensamento” ou “fluxo de consciência”.
A metáfora do rio ou fluxo foi usada, a mais de 2.000 anos, pelo filósofo pré-socrático Heráclito (535-474 a.C.). Ele desenvolveu a ideia da dialética e na vulgata filosófica é o pensador do “tudo flui”, sintetizando a ideia de um mundo em movimento perpétuo em oposição ao paradigma de Parmênides, em que o fogo é o elemento do qual deriva tudo o que nos circunda. Para Heráclito, tudo é movimento e nada pode permanecer parado, tudo se move, exceto o próprio movimento.
Para Heráclito, a mudança é o resultado de uma alternância entre contrários: coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam, coisas úmidas secam, coisas secas umedecem, etc. A realidade não acontece em uma das alternativas, já que ambas são parte da mesma realidade, mas sim na mudança, na “guerra entre os opostos”. Assim, os opostos coincidem da mesma forma que o princípio e o fim de um círculo, pois o quente é o mesmo que o frio, já que o frio é o quente quando muda, ou seja, quente e frio são “versões” diferentes da mesma coisa.
“Tudo flui como um rio” (em grego panta rei ou potamós) é o célebre aforisma atribuído a Heráclito, tendo sido modificado até sua forma mais conhecida: “Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai”. Assim, tudo está sujeito ao tempo e a sua transformação, pois só a mudança e o movimento são reais.
Para William James o conceito de “fluxo de consciência” é “algo com que praticamente todos nós podemos nos identificar, porque podemos senti-lo”, demonstrando a dificuldade da tarefa em conceitua-lo. Completa “quando digo que todo pensamento faz parte de uma consciência individual, um dos termos em questão é justamente ´consciência individual´… descrevê-lo de maneira fiel é a tarefa filosófica mais difícil que existe”.
O detalhe mais importante a respeito da consciência é o fato de ela não ser uma “coisa”, mas sim, um processo. É o que o cérebro faz para controlar um sistema nervoso que se tornou complexo demais para se autorregular. A consciência nos permite refletir sobre o passado, o presente e o futuro, planejar, adaptar-se às circunstâncias e, com isso, cumprir o propósito fundamental da consciência, que é sobreviver.
É difícil imaginar a estrutura da consciência de forma unificada. Para ilustrar essa dificuldade, James usou o problema da frase dos dozes homens: “Selecione uma dúzia de palavras, pegue doze homens e dê uma palavra para cada um. Em seguida, disponha-os em fila e deixe que cada um pense em sua palavra com tanta intensidade quanto for capaz; nenhum deles terá consciência da frase toda”.
A consciência é um fluxo de pensamentos distintos. A ideia “X” mais a ideia “Y” não é igual a ideia (X+Y). Dois pensamentos somados não formam uma ideia. É mais provável que deem origem a uma ideia totalmente nova. Assim, se o pensamento “X” é “são nove horas” e o pensamento “Y” é “a aula começa às 9h02”, um pensamento “Z” – “vou perder a aula” – pode ser o resultado.
A maneira mais simples de entender como pensamentos dentro do fluxo de consciência se concatenam para fazer sentido é supor “que coisas que são conhecidas ao mesmo tempo são captadas numa única pulsação daquele fluxo”. Alguns pensamentos e sensações estão inevitavelmente conectados a ouvir um barulho e sentir dor no mesmo exato momento. CASO FILME LARANJA MECÂNICA
Os pensamentos que penetram simultaneamente na nossa consciência se unem e formam uma pulsação, ou corrente, dentro do fluxo. Podemos ter muitas dessas correntes fluindo na consciência, algumas com rapidez, outras mais vagarosamente. Inclusive, existem “pontos de repouso”, nos quais fazemos uma pausa para formar imagens mentais, que podem ser retidas e contempladas. Estes pontos são chamados de “partes substantivas” e as correntes são chamadas de “partes transitivas”. Nosso pensamento está em constante deslocamento de uma parte substantiva para outra, impulsionado pela força das correntes, ou seja, das “partes transitivas”.
Somos “arremessados” de uma conclusão a outra pelo fluxo constante de pensamentos, cujo propósito é nos fazer avançar sempre da mesma forma. Não há conclusão, a consciência não é uma coisa, mas um processo em constante evolução.
Podemos usar a obra do pintor francês Georges Seurat (1859-1891), pioneiro do movimento pontilhista chamado divisionismo, como exemplo. Essa técnica de pintura usa pequenas manchas ou pontos de cor que provocam, pela justaposição, uma mistura ótica nos olhos do observador. Nosso cérebro combina esses elementos separados de tal modo que vejamos uma figura humana, do mesmo modo que acontece no fluxo constante de pensamentos.
A consciência tem uma natureza pessoal, em que os pensamentos não podem existir dissociados de um pensador – são pensamentos seus ou meus. Cada pensamento é “possuído” por alguém, e nunca “é visto diretamente por um pensamento de outra consciência pessoal que não seja a sua”.
Nos estágios iniciais de sua pesquisa sobre a consciência, James percebeu o papel importante que as emoções desempenham na vida cotidiana e desenvolveu, com seu colega Carl Lange (1834-1900), uma teoria sobre como as emoções se relacionam com nossas ações e comportamentos.
Para a Teoria das Emoções James-Lange, as emoções derivam das percepções da mente consciente acerca das nossas condições fisiológicas. Para ilustrar a teoria, usou-se o exemplo de alguém que vê um urso e sai correndo. Segundo a teoria, o que realmente aconteceu foi a pessoa ter visto o urso e saiu correndo; o sentimento consciente de medo é originado pela ação de sair correndo. Essa forma de ver a questão, contraria o que a maioria das pessoas supõe, mas para James é a percepção da mente acerca dos efeitos físicos de correr – respiração ofegante, batimento cardíaco acelerado e transpiração intensa – que se traduzem na emoção medo. De acordo com essa teoria, é a consciência de estar sorrindo que nos faz sentir felizes, pois não precisamos estar felizes para depois sorrir.
Para James, “a verdade emerge dos fatos… mas… ocorre que ´fatos´ em si não são verdadeiros, eles apenas são. A verdade é uma função das nossas crenças que têm início e fim entre si. Crenças verdadeiras são aquelas consideradas úteis por quem acredita nelas. No decorrer da vida, estamos testando de modo contínuo “verdades”, comparando-as entre si, e nossas crenças conscientes continuam sendo alteradas, uma vez que as “velhas verdades” são modificadas e às vezes substituídas por “novas verdades”.
Após a sua morte, houve um considerável declínio do interesse pela consciência diante da ascensão do behaviorismo, teoria de investigação psicológica criada para examinar de modo mais objetivo o comportamento, com ênfase em fatos, estímulos e reações, excluindo à introspecção. Assim, o assunto foi pouco estudado no período entre 1920 e 1950.
Com exceção da psicologia da Gestalt, teoria alemã, criada por Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940), que considera os fenômenos psicológicos como totalidades organizadas e indivisíveis, articuladas como configurações, defende que, para se compreender as partes, é preciso, antes, compreender o todo. Trata-se de um processo de configurar, dar a forma naquilo colocado diante dos olhos, que é exposto ao olhar. Seu objetivo principal é tornar mais explícito o que está implícito, projetando na cena exterior aquilo que ocorre na cena interior, permitindo a percepção de como se comportam aqui e agora, no contato com seu meio. Isso significa observar os “fenômenos de superfície” e não mergulhar nas profundezas do inconsciente. Não se pode ter conhecimento do todo por meio das partes, pois o todo é outro, que não a soma de suas partes. Exemplos de imagens interpretadas pelo cérebro como ilusão de ótica para uma escolha mental entre 2 interpretações válidas: Cubo de Necker (1832) e Vaso de Rubin (1915).
A partir da década de 80, foi desenvolvido um novo campo de pesquisa chamado “estudos da consciência”, cujo foco recai sobre 2 áreas de interesse: o conteúdo da consciência relatado por pessoas consideradas normais e saudáveis; e a consciência cujo estado de percepção tenha sido de algum modo danificado.
A aplicação da filosofia pragmática aos fatos dá enfoque não ao que é “verdade”, mas “àquilo em que é útil acreditar”. Isso significa que nos afastamos do problema da separação entre corpo e mente para nos aproximarmos de estudos sobre os processos mentais como a atenção, memória, raciocínio, imaginação e intenção.
As ideias de William James moldaram nossa compreensão sobre o comportamento. Nossa capacidade de reorganizar crenças e valores pessoais aumenta nosso poder de compreensão das coisas e dos comportamentos de outras pessoas.