por João Antonio Galbiatti Filho
Durante a disciplina “Cinema e Escola” ministrada pelas professoras Maria Cristina de Senzi Zancul e Alessandra Viveiros, nos foi informado que a avaliação final deveria ser um texto confeccionado pelo aluno, analisando um filme nos mesmos moldes dos textos fornecidos durante o período.
A proposta da escolha dos filmes seria buscar algum que abrangesse um tema que pudesse ser trabalhado dentro da sala de aula. Durante o curso foram vários ótimos filmes, como “Nenhum a Menos”, “Sonhos”, “Rapsódia em Agosto” e outros mais, todos com roteiros e significados densos que obrigam o professor a se preparar antes de trabalhar o filme.
A variedade de filmes que poderiam trazer algum significado para a aula é vasto e é necessário que o plano de aula esteja em sintonia com o filme que será apresentado assim como com todas as respostas que o mesmo pode provocar nos alunos.
Enquanto fazia a escolha de qual filme usaria e observando crianças na escola, resolvi partir para uma abordagem diferente. Quando o professor escolhe o filme a ser trabalhado ele tem o “controle” em suas mãos podendo direcionar a discussão para o caminho que julgar mais importante. Mas e quando o filme não é escolhido e “invade” a sala de aula e interfere no processo educacional? O professor deve trabalhar o que aquele filme e o que ele aborda significa? Escolhi um filme comercial.
Esses filmes são chamados “comerciais”, porque muitas vezes tem o objetivo de existir somente para estimular o consumismo de algum produto, mas acabam, muitas vezes, influenciando além do processo de comprar, atingem também comportamentos inspirados no que é visto na tela. Muitos destes filmes mudam culturas, tamanho o seu poder de inserção social. Hoje, o tema do momento são os super-heróis.
Os super-heróis deixaram de fazer parte somente do dia-a-dia das crianças, mas também dos adolescentes e adultos, deixando de ser um tema considerado infantil no Brasil para atingir todas as faixas etárias. Eles permeiam o imaginário popular desde meados de 1900 e hoje ganham a maior força que já tiveram.
Esse crescimento pode ter sido originado por dois fatores, o crescimento econômico da população em geral, facilitando o acesso a objetos que anteriormente eram considerados desnecessários, como histórias em quadrinhos e objetos colecionáveis, além da facilidade do acesso provocando o grande retorno do cinema à vida das pessoas. Outro aspecto que deve ser observado é que as crianças que viveram a fase áurea dos heróis hoje são pais e alguns avós.
O filme que será analisado, na verdade não será apenas um, mas uma trilogia iniciada em 2005 com “Batman Begins”, “Batman – O Cavaleiro das Trevas” e “ Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, três filmes sob a batuta do mesmo maestro Christopher Nolan.
O surgimento do Morcego
Criado em 1939 por Bob Kane e Bill Finger, Batman ou Bat-Man conforme concebido inicialmente, surgiu como um herói sombrio e sem poderes e herdeiro dos romances policiais. No início era fruto da ficção tosca de seu tempo, mas a partir das décadas seguintes ele e seu companheiro de profissão Superman foram usados como modelos para a criação da maioria dos outros heróis (Patati e Braga, 2006).
Qual seria o segredo do sucesso por tanto tempo? O Batman sempre representou o reflexo de cada geração. Nos anos 50, auge da paranoia americana pós segunda guerra mundial, sofreu nas mãos do psiquiatra Fredric Whertham que buscava insinuações homossexuais nos quadrinhos dizendo que “contaminavam” a juventude. Na década de 60 foi à discoteca no seriado de TV e virou símbolo para Andy Warhol e Roy Lichtenstein. Nos anos 70, ascensão do cinema independente americano, retorna muito mais sombrio na “graphic novel” O Cavaleiro das Trevas, como um símbolo de uma geração cansada do governo conservador do presidente Ronald Reagan (Monet 2012).
O personagem apresenta todos os aspectos constitutivos dos super heróis: habilidades fora do comum e um surgimento traumático. Sobrevivente do assassinato dos pais, possui uma identidade secreta, uma galeria de superinimigos e personagens secundários que têm o objetivo de provocar a identificação com a história contada. Mas o principal é a vulnerabilidade, os problemas pessoais, as frustrações e perdas que cada um dos leitores poderiam ter passado, ou seja, identificação pessoal, “eu poderia ser assim”.
O Batman de Christopher Nolan
Foi pensando dessa forma que em 2005 chegava às telas dos cinemas a versão de Christopher Nolan “Batman Begins”. Essa nova versão tinha a proposta de recuperar a imagem do herói nas telas e aproximá-lo da realidade das pessoas e para isso algumas coisas deveriam ser repensadas. Para o diretor o personagem deveria ser real e tornar mesmo possível alguém acreditar que esse herói poderia existir. Para isso teve carta branca e não cedeu nenhuma linha do roteiro para campanhas publicitárias (apesar que somente a imagem do herói já brilha aos olhos dos marqueteiros) e buscou fazer um filme sério sobre a saga de um homem em busca de construir uma forma de vingança pessoal pelo assassinato dos pais. É um filme que mostra o sacrifício em busca de um ideal heroico, como promover a mudança da justiça.
Esse primeiro filme é um crítica ferrenha a justiça morosa e a segurança policial corrupta pela máfia do tráfico de drogas. Uma situação completamente real, haja vista a forma como grandes traficantes controlam presídios e os transformam em escritórios de luxo mantidos pelo governo. A falta de segurança em grandes polos como São Paulo, Florianópolis, Ribeirão Preto, reforçando a imagem que estamos a deriva, protegidos por uma polícia sucateada e corrupta. Nesse sentido, em Gothan City (cidade fictícia do personagem) surge um vigilante buscando resolver sob sua própria lei o que a lei e os cumpridores dela não conseguem.
Situação que a primeira vista possa parecer muito longe do real, mas em era de youtube, é só digitar “super-heróis” reais que seremos bombardeados por vários vídeos amadores de pessoas fantasiadas com collant tentando fazer justiça com as próprias mãos. Um exemplo é Phoenix Jones, um super-herói da vida real que foi preso pela polícia americana e até hoje publica os vídeos de suas rondas noturnas. Inclusive canais de TV pagos produziram programas mostrando que o número de “vigilantes reais” está aumentando.
Batman e o famigerado Coringa
Em 2008 Batman volta às telas com uma grande responsabilidade, superar o sucesso do primeiro e acabar com a “maldição das continuações”. Estreia o segundo filme “Batman- O Cavaleiro das Trevas” e dessa vez o filme é aclamado pela crítica, seja pela direção primorosa e claustrostófica do diretor ou pelas excelentes atuações dos atores, em destaque para Heath Ledger e seu Coringa definitivo. Considerado uma obra prima do cinema e injustiçado por não ter levado o Oscar de melhor filme, “Batman – O Cavaleiro das Trevas” é a história do eterno duelo entre o bem e o mal.
A cidade encontra-se em transformação e a figura do vigilante assombra os criminosos, Batman entendendo a necessidade de não existir um vigilante fora da lei busca oferecer ao promotor da cidade a opção de ser esse símbolo de justiça. Nesse ínterim surge um criminoso solitário intitulado de Coringa (alusão ao palhaço do baralho) que promove o caos sem nenhuma razão aparente.
O Coringa representa o instinto primitivo do ser humano, o ID sobrepujando o SUPEREGO, as mudanças incontroláveis, o oposto do herói. É o “Yin e Yang” e ele diz isso para o herói, “não quero te matar, sem você minha vida voltaria ao marasmo, preciso de você para viver.” Batman é a ação e o Coringa reação. Nos faz pensar levantar questões filosóficas, como por exemplo, para percebermos o bem temos que conhecer o mal e o contrário verdadeiro.
O filme toca também em pontos que preocuparam o mundo nessa época como a invasão de privacidade e que ela também acaba sendo uma arma do herói buscando capturar o criminoso, algo como se os fins justificassem os meios. Os republicanos ficam orgulhosos, mas os democratas coçaram a cabeça (Monet, 2012).
O fechamento da trilogia
Em 2012, chega o aguardado final da cinessérie do Homem-Morcego. Ideia mudada devido à morte do ator que interpretava o Coringa, Heath Ledger, o diretor traz um novo inimigo: “Bane”, um mercenário muito conhecido nos quadrinhos como aquele que quebrou literalmente o herói. E assim o faz nas telas.
Aqui fica claro o quanto o herói é humano, passivo de ser enganado e manipulado por suas emoções e fisicamente pode ser vencido.
A ideia central do filme é aplicar de uma forma equivocada e deturpada pela mente do inimigo uma igualdade aos cidadãos da cidade de Gothan City, nem que para isso fosse preciso destruir tudo e iniciar do zero. Tudo é de todos, e principalmente não há regras, as únicas são orquestradas pelo ditador. Os bandidos são disfarçados de operários e funcionários, um sistema comunista é claramente caricaturizado pelo vilão. O poder deve voltar para o povo!
O Batman e a escola
Por mais que, muitas vezes, queremos propor filmes que nos façam questionar pontos direcionados em sala de aula, os grandes filmes hollywoodianos invadem as casas e muitas vezes são assistidos despretensiosamente tendo a função de promover a identificação de quem assiste. Além de identificação provoca motivação. Os produtos licenciados (e pirateados) invadem as lojas, as casas, as brincadeiras e a forma de pensar o mundo.
Sabemos que durante a infância, enquanto a fantasia se mescla a realidade, uma camiseta com o emblema do herói torna a criança o super-herói. Em uma passagem da vida de Moreno, criador do Psicodrama, ele diz o quanto à representação dramática do social influencia a formação da personalidade. Brincando de ser Deus, Moreno salta de cima de uma cadeira buscando voar e a consequência é o oposto. E quantas crianças não fazem o mesmo com suas capas de Super-Homem?
Esses vários Batmen chegam à escola e nos horários de descontração evocam os personagens e dramatizam as situações presenciadas nas telas. Aproveitando a identificação ou uma forma de aquecimento para a aula, os professores podem encontrar vários pontos que podem ser discutidos e revertidos a uma situação de aprendizagem.
Alguns dos muitos pontos que podem ser trabalhados:
- A busca dos sonhos e realização dos ideais, ou seja, a definição de um projeto de vida;
- A importância do trabalho em grupo, reforçando as características pessoais de cada um;
- A questão dos papéis sociais, o que é público ou particular, a moral e o imoral;
- A diferença do que é real e o que é imaginário;
- Promover o caminho contrário, das telas para as letras, estimular a leitura de grandes obras de arte muitas vezes vistas com preconceito por causa do seu início.
Cada vez mais os filmes de super-heróis ocuparão as salas de cinemas e televisões nas casas, pois são feitos para as grandes massas buscando a identificação e lucros astronômicos. Mesmo que os professores ou os mais intelectuais façam “careta” frente a esses novos lançamentos, não podemos deixar de considerar o poder de atração que esses filmes possuem. Temos que buscar formas de fazer com que esse movimento cinematográfico “jogue no nosso time”, buscando não só deixá-los passarem despercebidos por nossos olhos, mas que possamos usá-los como ferramenta de atração dos alunos à disciplina que ministramos.
Referências
MONET. Batman. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1993.
PATATI, C., BRAGA, F. Almanaque dos Quadrinhos:100 anos de uma mídia popular. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
Ficha técnica:
Batman Begins
Diretor: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale, Michael Caine, Liam Neeson, Katie Holmes, Gary Oldman, Cillian Murphy, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, Ken Watanabe, Morgan Freeman.
Produção: Emma Thomas, Charles Roven, Lorne Orleans, Larry J. Franco
Roteiro: David S. Goyer, Christopher Nolan, Bob Kane
Fotografia: Wally Pfister
Trilha Sonora: James Newton Howard, Hans Zimmer
Duração: 139 min.
Ano: 2005
País: EUA/ Reino Unido
Gênero: Ação
Cor: Colorido
Distribuidora: Não definida
Estúdio: Warner Bros. / Syncopy / DC Comics / Legendary Pictures / Patalex Productions
Classificação: 10 anos
Batman – O Cavaleiro das Trevas
Diretor: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale, Michael Caine, Heath Ledger, Maggie Gyllenhaal, Gary Oldman, Aaron Eckhart, Morgan Freeman, Eric Roberts, Anthony Michael Hall, Nestor Carbonell, Melinda McGraw, William Fichtner, Nathan Gamble.
Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas, Lorne Orleans
Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan
Fotografia: Wally Pfister
Trilha Sonora: James Newton Howard, Hans Zimmer
Duração: 152 min.
Ano: 2008
País: EUA/ Reino Unido
Gênero: Ação
Cor: Colorido
Distribuidora: Não definida
Estúdio: Warner Bros. Pictures / Legendary Pictures / Syncopy / DC Comics
Classificação: 12 anos
Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Diretor: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale, Gary Oldman, Morgan Freeman, Michael Caine, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Liam Neeson, Tom Hardy, Cilliam Murphy, Marion Cotillard, Maggie Gyllenhaal
Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas
Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan
Fotografia: Wally Pfister
Trilha Sonora: Hans Zimmer
Duração: 165 min.
Ano: 2012
País: EUA, Reino Unido
Gênero: Ação
Cor: Colorido
Distribuidora: Warner Bros.
Estúdio: DC Entertainment / Legendary Pictures / Syncopy / Warner Bros.
Classificação: 12 anos